quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Cultura em tempo de crise

Nesta fase final de discussão do OE para 2013 volto a uma área que me é particularmente cara (também por investir na mesma na aquisição de produtos culturais!) e que insisto que é um dos pilares estruturantes da sociedade e do nosso país. A cultura pois claro.

Cabe em primeiro lugar definir (ou redefinir) os pressupostos que enquadrem politicamente o sector. Refiro-me, em concreto, às funções do Estado. Na minha opinião menos Estado, melhor Estado. Não quero com isto dizer ausência de Estado, muito menos em áreas relativas à soberania, identidade e social, lato senso. Um Estado mais reduzido e melhor organizado pode com maior eficiência e eficácia utilizar os dinheiros públicos e prestar um verdadeiro serviço público de qualidade. O Estado não pode e não deve chegar, ou tentar chegar, a todo o lado. Se continuar a persistir nesse erro será o primeiro passo para o seu insucesso, como aliás, e infelizmente, tem sido notório.

Se a crise actual pode trazer algo de bom isso poderá ser o ponderar-se os problemas e a situação global com uma seriedade ainda maior e um sentido de realismo mais apurado. O realismo não deverá implicar o fim do idealismo. Deverá antes fazer com que este seja melhor doseado e coexistirem em proporções mais equilibradas. Quero referir-me particularmente em relação ao sector cultural e criativo. Se o OE deveria ser mais generoso para a cultura, deveria. Se o sector tem de participar no esforço colectivo nesta situação de resgate financeiro, efectivamente terá. Contudo há que ter em atenção uma série de aspectos. Vejamos então. O Estado, naturalmente na minha perspectiva, não deve ter uma política de gosto, não deve ser dirigista, deve promover e incentivar a diversidade e o acesso às actividades e bens culturais.
 
Será incorrecto, e injusto também, para os agentes e operadores privados do sector cultural e criativo (SCC) que tanto contribuem para a produtividade do país, para a dinamização socio-económica, reduzi-lo à acção do Estado. Vários estudos nacionais (por exemplo o de Augusto Mateus & Associados de 2010) e internacionais (como o da Kea European Research de 2006 para a Comissão Europeia) apontam e atestam que o sector cultural e criativo, nos seus múltiplos ramos, acrescentam valor, produtividade e emprego. No caso português em 2006 o SCC foi responsável por 2,8% de toda a riqueza produzida no país e representava então 2,6% do emprego nacional. A nível europeu em 2003 o SCC representou 2,6 % do PIB da União Europeia (UE). Em 2004 o sector empregava 3,1 % da população europeia activa da UE a 25. Não sendo exaustivo e para citar apenas alguns números ilustrativos fica uma imagem do potencial do sector, em particular das indústrias culturais e criativas como fatia relevante e não estatal do sector. São também contributos para desmistificar a relação entre cultura e economia que nada têm de oposto e muito de entrosamento e complementaridade.
 
Assim o Estado deverá arranjar mecanismos, enquadrar-se e em simultâneo estimular a concepção de um novo paradigma. Sim é mesmo necessário arranjar um novo paradigma, assim como para o designado Estado social. Rever e reorganizar o Estado social é assegurar a sua sustentabilidade e não acabar com ele como alguns, com desconhecimento ou má fé na maioria dos casos, propagandeiam. Na área da governação da cultura deve haver um processo nesse aspecto semelhante. A política é feita de opções e de uma gestão que deve ser criteriosa. A contratualização com privados, parcerias público-privadas, desde que bem negociadas naturalmente, onde seja assegurado o serviço público e o Estado não acarrete apenas os prejuízos da actividade ou exploração como em variados casos temos verificado. O recurso a soluções empresariais fora da estrutura ou da administração directa do Estado nas quais seja igualmente assegurado o serviço público, com uma gestão mais flexível e eficaz, onde uma gestão profissional pode mais facilmente aliar-se a uma gestão cultural.
 
Num debate recente sobre economia e cultura a propósito do OE 2013 que teve lugar no teatro S. Luiz em Lisboa a Professora Raquel Henriques da Silva alertou precisamente para essa necessidade. Casos como a Fundação de Serralves ou a Parques de Sintra- Monte da Lua (PSML), esta última com accionistas exclusivamente públicos, são exemplos a acompanhar, avaliar e possivelmente expandir. Deixar de lado os chavões a cultura não é negócio ou entregar a exploração de património cultural a privados ou ainda o desrespeito pelos deveres constitucionais do Estado e com um sentido de responsabilidade e razoabilidade adoptar-se soluções de gestão do património cultural mas também de outros campos culturais  condizentes com as necessidades actuais e com a preparação do futuro.
 
 
São propostas concretas e contributos específicos para uma tentativa de melhoria do panorama cultural em Portugal, designadamente a nível governativo mas não só. Se o próprio Estado não sufocar e der margem de manobra aos privados e a instituições da sociedade civil estas acabarão por prestar um autêntico serviço público sem os condicionalismos da dependência do aparelho de Estado. Tal cenário a funcionar em conjunto com as áreas onde o Estado central ou local efectivamente deve estar, quer a título directo quer com uma participação supletiva, levará a mais qualidade e diversidade na oferta cultural e um maior acesso à sua fruição bem como uma melhor preservação e valorização dos bens culturais. Ganhariamos todos não só enquanto contribuintes mas nas nossas mútiplas facetas de visitantes, espectadores, consumidores, cidadãos.

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