quarta-feira, 1 de junho de 2011

A família e o bem-estar demográfico.




Quando falamos em problemas estruturais dos países deveríamos começar pela génesis, abordando o problema da decadência demográfica. Portugal tem a taxa de fertilidade mais baixa da Europa ocidental, quase metade do nível de reposição geracional.
A crise torna essa queda mais patente com o refluxo da imigração, que mascarou a situação, agravado pela retoma da emigração. A ausência de crianças e jovens, que afecta o sistema educativo há anos, sente-se já em múltiplas outras áreas. O problema da falta de produtividade, envelhecimento da população, problemas de financiamento da segurança social, da saúde, falhas e incapacidade na assistência à população, são cada vez mais crescentes. Até a solução da dívida, poupar mais e trabalhar melhor, fica difícil num país com percentagem crescente de idosos. Temos a atenção centrada na solução das futuras condições socioeconómicas, sem haver sequer um plano que aposte e sustente um futuro demográfico.
Nos últimos anos o Governo teve uma posição clara e empenhada neste assunto, com decisões fortes e incisivas. Facilitou o divórcio, subsidiou o aborto, promoveu o casamento homossexual, criando assim a mais maciça campanha de ataque e desmantelamento da família da nossa história. Dados os resultados, pode dizer-se que, pelo menos aqui, a política governamental foi um grande sucesso e o Executivo pode orgulhar-se. Dando mesmo cabo do País!
Invocando o argumento da liberdade, sobre a protecção do liberalismo social, foram-se delapidando valores supremos e intocáveis, base de uma sociedade sólida e conservadora. Valores como a família fazem hoje parte de um imaginário longínquo, de um saudosismo arrebatador. A família como unidade social enfrenta uma série de tarefas de desenvolvimento, diferindo apenas ao nível dos parâmetros culturais, mas possuindo as mesmas raízes universais de unidade e perpetuação fraternal.
Só numa sociedade estável do ponto de vista familiar se pode promover a par de condições económicas favoráveis o incentivo demográfico necessário ao crescimento e à produtividade do país.

Lisboa, 1 de Junho de 2011.
Nuno Serra Pereira

terça-feira, 31 de maio de 2011

Estas Sondagens.



As sondagens exprimem intenções de voto e não a antevisão de resultados eleitorais, este facto é importante reter porque na realidade as intenções são comportamentos.
Os actuais resultados que diariamente vão aparecendo, seriam difíceis de explicar, se as eleições fossem apenas um mecanismo de recompensa e punição dos governos. O que na realidade se passa é que os eleitores são racionais e menos calculistas em relação ao mero somatório percentual. Muitos ainda decidem com base na ideologia, o que não significa que sejam irracionais. A racionalidade existe mas o voto é uma questão muito mais complexa do que castigar ou recompensar governos pelo seu desempenho.
É uma pena que o foco das sondagens actuais, em Portugal e não só, incidam meramente na questão das intenções de voto e não se faça uma extrapolação dos dados recolhidos para o estudo sociológico e explicativo dos votos. Dados como a classe social, o nível de instrução e a faixa etária são dados muito pouco tratados apesar de serem recolhidos quando se fazem as sondagens. Estes estudos poderiam ajudar os políticos a entenderem de facto o eleitorado e corrigir a tempo rotas eleitorais mal traçadas.
As sondagens que são efectuadas muito antes do acto eleitoral perdem a objectividade do voto, o distanciamento agrava a flutuação das intenções pela simples razão de que os indivíduos expostos a novos factos durante um espaço de tempo mais alargado, poderão ser influenciados a mudar de opinião.
Estas eleições para a Assembleia da República são muito particulares, projectando esperanças num futuro em que muitos acham que já não conseguimos projectar nada. Poderá ser a explicação porque está o PSD nesta situação estranha de não descolar claramente nas intenções de voto diárias, no fundo de não conseguir capitalizar o descontentamento. O momento eleitoral é diferente revelando-se na falta de solidez da captação da intenção de voto de cada um. Os que estão indecisos irão decidir no último momento o que torna as previsões menos assertivas e evidentes podendo os resultados destas sondagens não coincidirem totalmente com o resultado do sufrágio do dia 5 no próximo domingo.
Poder ver para além das percentagens, aliando algum discernimento social levará aqueles que se dedicam a este tipo de actividades, sondagens e estudos de opinião, a ficar mais próximos da realidade. Torna-se claro que a transversalidade e a complementaridade das ciências sociais serão parte integrante das sondagens no futuro.

Lisboa, 31 de Maio de 2011.
Nuno Serra Pereira

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Mar Global

Governação global ou governação mundial é a interacção dos actores políticos transnacionais destinadas a resolver os problemas que afectam mais de um estado ou região, quando não há poder de exigir o cumprimento. Em resposta à aceleração das inter-dependências em escala mundial, tanto entre as sociedades humanas e entre a humanidade e a biosfera, a governação mundial designa regulamentos destinados à escala global. Penso que esta poderá ser a melhor definição de globalização política e de governação, o complexo das instituições formais e informais, mecanismos, relações e processos entre estados, mercados, os cidadãos e organizações, tanto inter-e não-governamentais, através do qual interesses colectivos no plano global se articulam, direitos e deveres estão estabelecidos, e as diferenças são negociadas.
Por vezes falta uma visão de conjunto, é preciso ultrapassar essa dificuldade e tentar encontrar os eixos principais para uma política pública do mar que seja consistente, duradoura e coerente. É necessária uma articulação e aproximação maior entre as actividades económicas e a comunidade científica ao nível dos estudos de impacto ambiental tendo em conta as alterações climatéricas para que o desenvolvimento sustentável seja uma realidade. Temos uma capacidade reconhecida em matéria de conhecimento que nos permite uma articulação entre as comunidades ligadas à pesca, por exemplo, à experiência de navegação ancestral e ao mundo académico que possam elaborar estratégias com impacto económico, na criação de emprego, mas respeitando limites ambientais. Fará parte de uma estratégia global de futuro, estabelecer princípios e objectivos para a elaboração de planos, programas e acções de governos no campo das actividades de formação de recursos humanos, no desenvolvimento da pesquisa, ciência e tecnologia marinha, na exploração e aproveitamento sustentável dos recursos do mar. Identificar todos os recursos vivos e não vivos existentes nas águas sobrejacentes ao leito do mar e seu subsolo, bem como nas áreas costeiras adjacentes, cujo aproveitamento sustentável é relevante do ponto de vista económico, social e ecológico. Fomentar projectos e actividades que permitam assegurar a reabilitação e manutenção de uma forma sustentável, das embarcações e a rentabilização da disponibilidade das quotas e recursos pesqueiros. Nesse sentido deverá haver uma orientação que permita coordenar e controlar as negociações com organismos multilaterais, agências governamentais, organizações não governamentais e todo o tecido empresarial.
É fundamental uma actualização da legislação procurando a sua posterior aplicação em todos os aspectos relacionados com os recursos do mar contemplando a gestão integrada das zonas costeiras e oceânicas dentro dos interesses marítimos nacionais e internacionais. Coordenação, acompanhamento e execução de Politicas Globais Marítimas estabelecendo uma rede global de áreas protegidas.
Ao longo dos últimos 25 anos as relações entre os países de língua portuguesa têm tido uma dinâmica de crescimento e fortalecimento indiscutível. Utilizando o mar e o que temos em termos de capital humano como forma abrangente de uma plataforma mais alargada, nomeadamente na cooperação no quadro dos países de expressão portuguesa. Sendo que no âmbito das relações transatlânticas tanto no plano multilateral como no bilateral, que os resultados parecem menos claros. Podendo-se afirmar que no panorama da política externa portuguesa, as relações transatlânticas são aquelas que mais necessitam de um novo impulso. Numa altura em que a aposta na diplomacia económica assume uma visibilidade sem precedentes e uma adaptação da Nato a uma nova geopolítica em que se coloca a sua relevância em causa. Esta revitalização das relações transatlânticas justifica-se principalmente pela aposta no mar e pelo desenvolvimento das políticas públicas associadas. É muito cedo para avaliar de facto se passaremos das palavras às acções e os seus efectivos efeitos. Em todo o caso, será impossível elaborar uma estratégia e manter uma aposta com êxito no mar, sem a enquadrar, nas suas múltiplas vertentes, no âmbito da potência marítima dominante. No âmbito da defesa e no actual contexto da NATO no pós-Cimeira de Lisboa, de uma forma geral a tendência natural, será para uma maior multinacionalidade no desenvolvimento das capacidades, designadamente as militares, e certamente para uma grande preocupação de integração e de partilha ("pooling and sharing") de recursos e capacidades.
A questão do mar tem menos relação com o exercício da força do que com a informação, o saber e o desenvolvimento sustentado, são objectivos a atingir para qualquer governo responsável. A relação de Portugal com o mar é um dos seus interesses permanentes de conteúdo variável que marca toda a narrativa do trajecto nacional. Faz sentido politicamente discutir de uma forma integrada as diferentes perspectivas das políticas marítimas e a valorização de um recurso estratégico importantíssimo para o presente e para o futuro de Portugal no processo de globalização.


Lisboa, 30 de Maio de 2011.


Nuno Serra Pereira

O Combate à abstenção.



O conceito de cidadania correlaciona o direito e o dever do indivíduo perante a sociedade onde se insere. É com alguma indignação e constrangimento que os valores elevados da abstenção após cada acto eleitoral espelhem o alheamento demonstrado pelos cidadãos num momento em que lhes era pedido que usufruíssem de um direito fundador de qualquer democracia. É constrangedor o facto do esquecimento de todos os homens e mulheres que no passado e no presente deram e dão o melhor de si, pondo fim a décadas de regimes autoritários e não democráticos. O facto de agora discutirmos a existência ou não de um número de eleitor, que numa primeira análise só serve para alimentar estatísticas e adulterar resultados e deixarmos para trás a discussão do verdadeiro problema que leva as pessoas a não votarem ou não participarem, provoca algum desconforto intelectual.
O exercício de voto é um exercício que qualquer cidadão deve exercer, fortalecendo desse modo a própria democracia. Um indivíduo que não vota, não se importa com o futuro colectivo, perdendo a legitimidade de qualquer crítica que queira expressar. A abstenção é uma “doença” que começa muito antes de ser diagnosticada. Quando se repara no fenómeno da abstenção, já é tarde, tornando a sua discussão na maior parte das vezes estéril. Isto porque o acto de ficar em casa e não votar é apenas uma parte de imenso problema que é o da cidadania não participativa, criando deste modo um vazio de acção. Fazem parte desse problema décadas de culto ao individualismo como racionalidade suprema na gestão da vida, ou do culto á juventude, com a correlativa desvalorização dos mais velhos. As consequências existências deste processo podem demorar a sentir-se, mas os seus efeitos na corrosão do princípio da solidariedade intergeracional são já reconhecíveis em muitos discursos, propostas e praticas relacionadas com o mundo do trabalho e com a segurança social.
Um cidadão praticante (do dever de cidadania) ocupa um lugar no espaço público, utiliza os serviços públicos, critica se for preciso para os defender e propõe a exigência de mais rigor, qualidade e atenção às finalidades sociais. Ao contrário um cidadão não praticante não estará presente nesse espaço público, a partir daí os serviços, os seus servidores e os seus beneficiários, tornam-se nesse “outro” que se ignora e se hostiliza.
A melhor forma de ter uma cidadania saudável, é levar os seus recursos onde for necessário e em primeiro lugar às escolas, aprofundar a memória dos direitos ganhos ou conquistados melhora a civilização, sem nunca perder de vista o processo democrático de aferição das finalidades daquilo que defendemos e que julgamos correcto. Isto faz-se nos dias das eleições e no dia a dia, participando. É que em bom rigor o cidadão não participante é uma ilusão, não existe, pelo menos como cidadão de pleno direito.

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2011.
Nuno Serra Pereira