segunda-feira, 30 de maio de 2011

O Combate à abstenção.



O conceito de cidadania correlaciona o direito e o dever do indivíduo perante a sociedade onde se insere. É com alguma indignação e constrangimento que os valores elevados da abstenção após cada acto eleitoral espelhem o alheamento demonstrado pelos cidadãos num momento em que lhes era pedido que usufruíssem de um direito fundador de qualquer democracia. É constrangedor o facto do esquecimento de todos os homens e mulheres que no passado e no presente deram e dão o melhor de si, pondo fim a décadas de regimes autoritários e não democráticos. O facto de agora discutirmos a existência ou não de um número de eleitor, que numa primeira análise só serve para alimentar estatísticas e adulterar resultados e deixarmos para trás a discussão do verdadeiro problema que leva as pessoas a não votarem ou não participarem, provoca algum desconforto intelectual.
O exercício de voto é um exercício que qualquer cidadão deve exercer, fortalecendo desse modo a própria democracia. Um indivíduo que não vota, não se importa com o futuro colectivo, perdendo a legitimidade de qualquer crítica que queira expressar. A abstenção é uma “doença” que começa muito antes de ser diagnosticada. Quando se repara no fenómeno da abstenção, já é tarde, tornando a sua discussão na maior parte das vezes estéril. Isto porque o acto de ficar em casa e não votar é apenas uma parte de imenso problema que é o da cidadania não participativa, criando deste modo um vazio de acção. Fazem parte desse problema décadas de culto ao individualismo como racionalidade suprema na gestão da vida, ou do culto á juventude, com a correlativa desvalorização dos mais velhos. As consequências existências deste processo podem demorar a sentir-se, mas os seus efeitos na corrosão do princípio da solidariedade intergeracional são já reconhecíveis em muitos discursos, propostas e praticas relacionadas com o mundo do trabalho e com a segurança social.
Um cidadão praticante (do dever de cidadania) ocupa um lugar no espaço público, utiliza os serviços públicos, critica se for preciso para os defender e propõe a exigência de mais rigor, qualidade e atenção às finalidades sociais. Ao contrário um cidadão não praticante não estará presente nesse espaço público, a partir daí os serviços, os seus servidores e os seus beneficiários, tornam-se nesse “outro” que se ignora e se hostiliza.
A melhor forma de ter uma cidadania saudável, é levar os seus recursos onde for necessário e em primeiro lugar às escolas, aprofundar a memória dos direitos ganhos ou conquistados melhora a civilização, sem nunca perder de vista o processo democrático de aferição das finalidades daquilo que defendemos e que julgamos correcto. Isto faz-se nos dias das eleições e no dia a dia, participando. É que em bom rigor o cidadão não participante é uma ilusão, não existe, pelo menos como cidadão de pleno direito.

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2011.
Nuno Serra Pereira

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