sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Charles Dickens, dois centenários do seu nascimento.

  
Este parece ser o mais apto de todos os momentos para chamar a atenção para um dos maiores escritores e "caricaturistas sociais" que a Inglaterra já produziu, Charles Dickens. A influência maravilhosa dos seus escritos exacerbou as linhas de demarcação entre as diferentes classes da sociedade inglesa e originou o estímulo extraordinário e necessário para que a própria sociedade amenizasse a miséria e neutralizasse o crime e o ódio no seu seio. O humor que tanto prazer tem em ser grotesco ou estabelecer uma condição de estranheza a favor do humorista tende a suavizar o pior que reside na moral da sociedade, tornando-o num facto bastante curioso, mas realista. A diferença entre a repulsa pelos nossos próprios pecados e os pecados muito maiores de que nada sabemos dos outros, é quase toda a ignorância, na maior parte das vezes o escritor, o humorista é que nos faz ver que estes últimos são tão naturais para aqueles que se entregam a eles, como os nossos são para nós, ou seja nada para além daquilo que é real e verdadeiro. Ao mesmo tempo, não se pode pensar que toda a sociedade fora completamente imbuída da moralidade de Dickens, o resultado não deve ser visto como apenas a modificação de sentimento para com todos os tipos de males dos quais pouco ou nada são familiarizados com a preferência específica e o tipo particular de carácter próprio de Dickens. Sem dúvida que aprovou certos estereótipos enfatizados pela sociedade, embora acompanhados (como tantas vezes o são) com as auto-indulgentes fraquezas e com um ódio mórbido perfeitamente espelhados nos elementos mais cruéis e mais duros da natureza humana que são fatais à marcação e diferenciação de cada indivíduo. Ainda assim, o ser "diferente" na moralidade literária de Dickens tem na realidade um efeito muito menos marcante na sociedade do que os seus maravilhosos poderes, como humorista social com mestria e astúcia para nos ensinar o que de outro modo não nos poderia ter sido ensinado, que aquilo a que se chama vida "vulgar" está a "transbordar" de todas aquelas qualidades humanas, do bem e do mal, que compõem precisamente o interesse pela natureza humana. O seu deleite pelo grotesco fez muito mais do que até mesmo John Stuart Mill com qualquer defesa filosófica da liberdade poderia ter feito, para nos tornar mais tolerantes com a excentricidade individual de quase todas as "tonalidades" e até mesmo para nos ensinar a acarinhar essa diferenciação de cada um. Deu sem dúvida um maior impulso do que qualquer outro homem da sua geração a um justo sentimento de repulsa em relação ao ódio de classe e de pura crueldade que distingue qualquer sociedade dita evoluída e moderna.
O seu génio, como a maioria dos outros génios, estava na revolta contra o sistema contra o que "tipos" convencionais tendem a produzir.

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2012.

Nuno Serra Pereira

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