Àparte das dificuldades de análise historiográfica e numa observação mais contemporânea do fenómeno, que como tantas outras organizações e entidades pode ter degenerado numa outra coisa diferente da sua génese, ou pelo menos ter-se tornado diversa e ter dado aso a diferentes interpretações e práticas de princípios filosóficos eventualmente idênticos numa fase inicial. Dizia eu numa observação mais contemporânea da maçonaria e dos seus agremiados, os maçons, que ainda se reveste de uma auréola de secretismo, que no caso português muito se deverá a perseguições de que foi alvo por vários regimes vigentes desde a monarquia absoluta com D. Maria I e seu intendente Pina Manique, seu neto D. Miguel no período da revolução liberal de 1820 e da guerra civil entre liberais e absolutista ou legitimistas (1832-1834) ou ainda durante o Estado Novo com António de Oliveira Salazar. Hoje em dia a atitude do poder vigente é bem diferente. Dever-se-á ao facto de estarmos numa democracia constitucional de cariz pluralista, onde a liberdade de expressão, de opinião e associação são tónicas dominantes, ou então a própria Maçonaria está bem integrada e disseminada pelas instituições democráticas...
Sem dúvida que essa liberdade existe. Mas como qualquer outra deve ser usada com responsabilidade. Por princípio os titulares de cargos públicos têm responsabilidades acrescidas perante a sociedade e os eleitores e devem estar sujeitos a um escrutínio com uma malha mais apertada do que outros intervenientes na vida democrática. Nas respectivas declarações de interesses e ao abrigo de um regime de incompatibilidades, a bem da transparência, a meu ver deverá constar uma eventual pertença a uma ou mais lojas maçónicas. Se qualquer cidadão tem o direito de pertencer ou de criar uma associação ou organização, se é titular de um cargo público tem também o dever de o declarar publicamente. Quero crer que isto não é violar o direito à privacidade, uma vez que precisamente a privacidade das pessoas públicas e políticas está diminuida (mas deve ser naturalmente protegida por certos limites que admito discutíveis) e as mesmas têm (ou devem ter) consciência disso mesmo quando se candidatam a cargos públicos.
Se a Maçonaria é uma instituição exclusivamente de cariz filosófico e filantrópico não estou a ver qual o problema de maior em os seus membros que desempenhem ou se candidatem a lugares públicos tenham esses mesmo facto registado em público. Mesmo que envolva outras vertentes, que institucionalmente deverão ser naturalmente abarcadas pela Lei de também pela Ética, não vejo por que não a obrigatoriedade de tornar esse facto público. Se os seus membros nada têm a temer perante a Lei e a Ética de ideias e comportamentos parece-me apenas mais um contributo para a transparência e a valorização da democracia. Não consigo identificar qualquer violação de direitos, apenas consigo vislumbrar um possível cumprimento rigoroso de deveres. Surge-me agora a velha máxima que diz "à mulher de César não basta ser séria, há que parecê-l0". Aliás qualquer maçon que queira ter direito ao seu anonimato continuará a tê-lo em pleno, excepto se for candidato ou titular de cargos públicos. Os eleitores, os contribuintes, os cidadãos em geral têm o direito de conhecer esses dados. Uma coisa é ver a privacidade diminuída, o que parece ser algo relativamente normal em quem é ou pretende ser Homem público. Outra coisa é ver a sua intimidade invadida. São esferas diferentes ainda que, por vezes, com fronteiras pouco densas. Mas se pretendermos ter essa participação política devemos ser claros perante o eleitorado, ter a noção da diminuição da privacidade ainda que com direito à intimidade. O pertencer à maçonaria, a uma qualquer religião, ser associado de uma organização profissional, cívica, social ou cultural podendo ter o direito de não o tornar público, pois é uma questão privada ou até íntima num certo sentido, passa a ser privada mas divulgável e nunca íntima para um titular de cargo público. A Ética, sobretudo nessas situações, deve ser rigorosamente cumprida, a régua e esquadro, sem desvios mesmo que possam ser milimétricos.
Não temos de duvidar à partida de todos os membros da maçonaria mas sabemos, como aliás muito provavelmente em qualquer outra organização, há elementos que ao abrigo de ideologias, de ideiais filosóficos, políticos, etc., têm comportamentos pouco éticos ou até legalmente sancionáveis e daí o recurso que se quer equilibrado aos meios de transparência dentro de um conjunto democrático de direitos, liberdades e garantias. Há certamente na Maçonaria maçons que apenas pertencem por convicção filosófica, como haverá aqueles no outro extremo que em nada se revêem nesses valores da igualdade, liberdade e fraternidade e de Deus grande arquitecto do universo e se aproveitam da organização para fins menos próprios e/ou menos lícitos. Entre estes dois extremos haverá, porventura, um sem número de estádios e situações diversas que não conseguirei identificar com rigor, como aliás acontece em relação a alegados fins mais cooperativos e menos filosóficos ou filantrópicos, de loobies mais ou menos ocultos, da Maçonaria enquanto instituição ou agremiação. Pelo menos a sua história atesta a presença e pertença de importantes élites políticas, económicas e culturais com grande influência nas sociedades donde provêm assim como a uma diversidade relativa de membros, ou seja, mais elitista do que democrática. Tudo o mais já será especulação excessiva que exige um outro conhecimento mais aprofundado da realidade em questão. Se tem outra opinião ou outro conhecimento da matéria comente. Vamos ao debate.
P.S. A imagem ilustrativa "Transparência" é da autoria de Alejandro Santos.
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